59 – Imperatriz
Da Morte
7 anos atrás
Uma nova expedição
acabara de regressar. Ao portão já se encontrava outro grupo pronto a sair. Os
militares mais influentes recebiam os subordinados com continências pelo bom
trabalho. Como era de se esperar não passavam de um grupo de velhos a
esconder-se atrás das habilidades dos mais jovens que davam cegamente a vida em
troca de proteger o seu país, e encher os bolsos de muitos velhos como aqueles.
Mas visto que em todo o lado há sempre exceções ali não era diferente. Ao fim
da fila dos prestigiados senhores da guerra estava uma mulher na casa dos vinte
anos com o ar mais entediado enquanto mantinha a mão perto da testa não tão
demorada continência.
A trompeta volta a
soar anunciando a saída dos guerreiros. Assim que as portas se abrem o ambiente
sério quase evapora. Caminhando calmamente pelos trilhos, sozinho, um homem
aproximava-se do quartel. Chegando à entrada ele bate continência:
- Pelotão especial
02, General Sakai Ryu. Cheguei! – Ele pisca o olho aos presentes causando a
incredulidade geral.
A mulher na fila
tentava segurar o riso. Só alguém excêntrico como ele faria uma cena daquelas.
***
Agora que chegara
ao titulo de Marechal as missões no exterior resumiam-se às de mais elevado
rank, o resto dos seus dias eram passados a treinar os novos recrutas e
soldados em geral.
Não era raro,
devido às experiências, alguns dos pelotões seram fracos mas os que eram
compostos pelas crianças órfãs costumavam ser ainda mais. Tendo em conta essa
realidade as altas patentes usavam-nos como iscas ou suicidas. Sendo contra
isso, e aproveitando a sua influencia, conseguiu convencê-los a deixarem-na
treinar esses grupos em separado e com tarefas especiais.
- M-Marechal, o 807
está a sentir-se mal outra vez. – O rapaz falava a gaguejar e sem sequer a
olhar nos olhos. Aquelas crianças eram como animais assustados, com medo de
tudo e todos. E não podiam ser censuradas.
Olhar aquele rapaz
deitado no chão a contorcer-se era como ver uma imagem espelhada de si própria.
A alta compatibilidade com a droga e, por sua vez, com o antídoto sobrecarregavam
o corpo em excesso. A diferença entre eles é que desde cedo treinava o seu para
ser mais forte enquanto o rapaz, magro e fraco, sempre fora tratado como um
rato de laboratório.
Ajoelhando-se ela
leva a mão ao pescoço dele e de seguida à testa.
“Está a arder em
febre e a pulsação parece demasiado elevada. Se eu chamar alguém vão levá-lo
para o laboratório. Não posso deixá-lo morrer aqui.”
- Vão para aquele
canto.
O grupo olha-se
entre si.
- É uma ordem!
Assustados eles
obedecem. Não gostava de gritar e obrigá-los pelo medo mas não queria que eles
vissem o que ia acontecer, pois nem ela sabia.
- Consegues
ouvir-me? – A mulher dá leves toques na face quente do rapaz.
Uma tosse profunda
sai como resposta.
- Podes dizer-me o
teu nome?
- 807.
- Não o teu número.
O teu nome.
- Não…tenho…um…
Mesmo habituada a
situações assim não conseguia deixar de se surpreender e ficar revoltada:
- Vamos fazer um
acordo. – Os olhos do 807 tentam focar-se em si. – Se te portares bem agora eu
dou-te um nome, pode ser?
Um novo brilho
pareceu iluminar o rapaz. Como se sentisse que pela primeira vez alguém
realmente se importava com ele.
Aquilo deu-lhe
confiança para seguir em frente com o que planejava.
- Ah, e o meu nome
é Sam.
Tirando uma seringa
do bolso do uniforme Sam sorri tentando tranquilizá-lo. Era um produto
experimental que só fora usado em si e em poucos mais para controlar o avanço
da droga. Só esperava que o efeito fosse o mesmo no caso do antídoto.
Sem dar tempo para
arrependimentos a agulha é espetada.
Podia ver as
pupilas a contraírem-se e um fio de sangue começar a escorrer do seu braço onde
o rapaz cravava as unhas com força numa tentativa de conseguir algum apoio.
Com o tempo o calor
corporal foi estabilizando tal como a pulsação cardíaca. A respiração também
regularizou fazendo até com que o 807 se conseguisse sentar mesmo que com
ajuda.
Os outros órfãos
acalmaram-se ganhando confiança para se aproximarem e, quem sabe, acreditar nem
que fosse um pouco naquela mulher que acabara de ajudar o companheiro que todos
os outros militares ali viam como lixo.
A expressão de Sam
suavizou demonstrando certo alivio. Se o miúdo tivesse morrido seria mais um
fardo que não ia aguentar carregar.
- Sentes-te melhor?
O rapaz acena
afirmativamente.
- Portaste-te muito
bem. – A Marechal coloca a mão na cabeça dele afagando-lhe o cabelo. – Parabéns
Kenji.
Os olhos brilham ao
ouvir aquele que seria o seu nome a partir daquele momento, dado pela pessoa
que o salvara e que o observava cheia de um carinho que nem sabia como
classificar. Por outro lado a mão na sua cabeça pesava mais do que uma pedra. E
na pouco inocência que lhe restava entendia que para a mulher à sua frente
salvá-lo fora mais uma salvação para ela do que para ele, pois aquela mão
carregava o peso da morte.
- Eu vou
proteger-te. – Kenji agarra-lhe a mão sobressaltando Sam. – Vou apagar o cheiro
de sangue que te envolve e libertar-te das teias da morte.
***
Ver alguém ser
trazido por uma coleira como se não passasse de um bicho contido já era
chocante que chegasse, mas dizerem que teria de lutar contra ele ultrapassava
qualquer loucura que alguma vez imaginara.
- Quem é ele? –
Pergunta a mulher ao homem ao seu lado que parecia tremer dos pés à cabeça.
- Porque é que
trouxeram aquele monstro para aqui!?
- Monstro?
- Ele é o filho do
cientista chefe. Sabe-se lá que experiências bizarras não lhe fizeram. Os
rumores dizem que o objetivo é criar um soldado mais forte e sem ligações ao exército.
- Resumindo, eles
querem um mercenário que consiga derrotar-me.
O ar à volta deles
começa a oscilar.
- Devias ter estado
calado avozinho. – Sakai Ryu aparece atrás deles. – Ela agora vai fazer puré do
coitado.
Era inevitável. A maioria
dos presentes tinha de se apoiar nas paredes para se manterem de pé. Mais do
que irritada, Sam estava furiosa. Não era por a desafiarem mas o facto de saber
que os mesmos que todos os dias matavam crianças pela conquista do soldado
perfeito agora descartavam tudo isso por interesse e conveniência.
Frente a frente com
o rapaz que seria o seu oponente a primeira coisa que repara é no olho vermelho
que a encarava. No fundo sentia certa simpatia por ele pois não conseguia
sequer supor por aquilo que ele teria passado para que achassem que poderia
derrotá-la.
A luta começa. A reação
de espanto foi geral. Contrariando tudo o que se pensava, a Marechal foi a
primeira a ser atingida. Se não tivessem assistido não acreditariam, a
velocidade do rapaz ultrapassava tudo o que já tinham visto.
“Então querem
anular a minha força com velocidade.”, pensa Sam cuspindo o pouco de sangue que
chegara à sua boca.
- E eu que pensava
que a coleira era para te conter. Afinal não passas de um cão amestrado.
O vermelho do olho
reluz e ele salta sobre a mulher com o dobro da rapidez.
“Previsível.”
Deixando com que se
aproximasse até estar ao seu alcance, a mulher lança o braço na direção dele
agarrando-o pela cabeça, como se se tratasse de uma garra, e atira-o ao chão com
um estrondo.
O corpo esperneava
tentando em vão soltar-se à medida que a força exercida no seu crânio aumentava.
- M-Marechal Sam. –
A voz trémula de um dos mensageiros interrompe o silêncio que se formara no
campo perante o que definiam como “o verdadeiro monstro”. – T-Tem uma visita.
Sem uma palavra ela
larga o rapaz, levanta-se e sai acompanhada de Sakai que corre até ela:
- Quantos dedos
partiste?
- Três.
- Sorte a dele. Foi
muito divertido ver o pequeno Erik apanhar.
Como que em um
dejá-vu o mesmo homem de há cinco anos atrás esperava-a encostado à rede que
cercava o quartel.
- Tu outra vez. –
Afirma Sam seriamente.
- Eu disse que
voltaria.
- O que queres?
- A sua cunhada
faleceu por doença. Não há mais desculpas, virá comigo para Zona Obscura
cumprir o seu dever.
- E se eu não quiser?
- Por muito forte
que seja não pense que conseguirá vencer um membro da máfia.
- Aceito o desafio,
não te vás arrepender depois.
Antes que pudesse
dar um único passo um golpe é desferido na sua nuca e Sam perde os sentidos. Damon
apara o corpo encarando Ryu que sorria:
- Ela vai. Leva-a. Essa
mulher não pertence aqui, ela foi feita para governar. Mal posso esperar para a
reencontrar quando for uma Imperatriz.
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