Zona Obscura - Sexagésimo primeiro

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61 - Convite Para O Inferno (Parte II)

  Estava quase na hora. Já se podia ouvir ao longe o som que indicava a aproximação do inimigo.
  Todos os preparativos estavam concluidos. Mais uma vez sentia a morte a agarrar-se às suas costas. Fosse qual fosse o desfecho o Supremo iria morrer naquele dia. Pelo menos voltaria a ter uma vida livre, sem precisar de se esconder de ninguém, ou assim pensava.
  Uma voz ecoava pelo jardim onde decidira dar o seu último passeio naquela mansão. Podia ouvir a música a ser levada pelo vento, uma melodia que pendia ao obscuro apesar da beleza.
  - Supremo, o que faz aqui? - O líder de Blue, Patrick, aproxima-se. Devia ter chegado mais cedo para a reunião final.
  Sabendo que não poderia falar acenou com a cabeça para a direção de onde vinha o som.
  - Também ouviu? Parece a voz do Akamachi, e na verdade ele é o único que fala japonês.
  Sam acena afirmativamente e ambos seguem o caminho até onde provinha a música.
  Como haviam pensado Akamachi, o novato lider de Red, encontrava-se sentado em cima de uma das pedras do jardim entoando a melodia para o céu absorto no que quer que ela dizia. Mesmo não entendendo não podiam negar que naquela letra algo fazia persentir uma desgraça.
  "É como se estivesse a ouvir o meu testamento.", pensa a mulher com um sorriso irónico escondido pela máscara.
  - Oh, Supremo-sama! Estava a ouvir-me? - O rapaz salta da pedra com o seu cabelo vermelho a ser bagunçado pela brisa.
  - Que música era essa?
  Por momentos uma sombra cobre o rosto dele com a pergunta feita por Patrick.
  - Segundo a minha avó a nossa familia tem o dom de antecipar acontecimentos importantes cantando. Eu canto quando sinto que vai acontecer algo mau.
  Um silêncio pesado cai sobre eles. Era naqueles momentos que gostava de poder dizer alguma coisa que os confortasse, que provasse que também se importava com eles.
  É nesse instante que Damon aparece anunciando que todos os líderes já se encontram presentes.
  Dentro da sala um misto de emoções tornava-se palpável. Ansiedade, adrenalina, excitação, medo.
  - Uma força de cerca de mil homens aproxima-se dos nossos portões. Não os subestimem pelos números, apesar de serem reduzidos são todos membros de elite. Desde soldados a generais e até mesmo mercenários. As crianças e pessoas que não podem lutar foram evacuadas e a cidade está preparada para focar a batalha exclusivamente em Black. Queremos minimizar os danos e isso inclui baixas humanas. Sendo assim eu, Damon, encerro o meu relatório e desejo boa sorte a todos. Senhores, protejam Zona Obscura com as vossas vidas!
  Não podia negar que ver aqueles nove homens de cabeça erguida e determinação no olhar lhe causava um arrepio na coluna. Só gostava de poder voltar a vê-los um dia.
  - Damon, obrigado por tudo. Foram dois anos muito bem passados.
  - Falas como se fosses realmente morrer.
  - Quem sabe. Além disso vou ter de me ausentar por uns tempos depois disto. É preciso deixar baixar a poeira e resolver algumas coisas do lado de fora.
  - Adianta voltar a dizer que isto é uma tremenda loucura?
  - Mesmo não me lembrando muito dele entendo porque o meu irmão te escolheu.
  - Boa sorte Sam.
  Não era uma despedida calorosa mas para eles era o suficiente para se sentirem satisfeitos.
  Lá fora começava a ouvir-se os tiros que anunciavam o inicio da disputa e como tal do plano deles. Resumidamenten só teriam de fazer explodir o carro com o Supremo lá dentro. Para isso já tinham até colocado uma bomba num ponto estratégico que faria crer que a morte fora causada pelo exército inimigo.
  Chegando à cave onde eram guardados os carros surge uma surpresa. Mike, o líder de Brown, esperava recostado ao Mustang preto que seria o caixão do seu chefe. A máscara de gás camuflava a tosse que o consumia.
  Olhando para os dois que tinham acabado de chegar finalmente entendeu o que se passava.
  - Eu sei o que vocês querem fazer. Não sei porquê mas acredito que haja uma boa razão.
  Damon encara-o. A voz rouca demonstrava certo cansaço:
  - Como é que descobriu?
  - Não vais acreditar se te disser.
  - Vieste impedir-nos?
  Mike acena negativamente:
  - Vou ajudar-vos. Não me resta muito tempo e desde que soube deste ataque que planeava morrer aqui. Assim sempre morrerei de forma útil. Por muito bom que seja o vosso plano vão precisar de um corpo.
  Sam não queria acreditar no que ouvia. Uma das pessoas que pensava estar a proteger com este plano estava ali, à sua frentre, a oferecer a vida para o bem dela.
  Queria recusar, dizer que a ideia era impensável e não poderia aceitar aquela decisão mas a determinação nos olhos daquele homem não a deixavam dizer o que quer que fosse. E perante a tentativa de persuadi-lo ela pediu a Damon que não o fizesse. Não negaria aquela vida que lhe colocavam nas mãos e jurou a si mesma que carregaria o fardo daquela morte nas costas acima de todas as outras.
  Mike retira a máscara largando-a no chão. Um fio de sangue escorria pelo canto do lábio após mais um ataque de tosse:
  - Eu conduzo.
  Preparavam-se para arrancar quando um estrondo invade a cave acompanhado de uma chuva de destroços. Uma bomba acabara de destruir parte da garagem seguindo-se um ataque em massa.
  Sam ainda tentou sair do carro mas foi impedida por Mike que seguia a ordem do secretário para sairem dali e deixarem o resto com ele.
  O barulho do motor abafou os restantes ruídos e antes de puderem fugir só conseguiu ver o vermelho de Damon ao ser apunhalado no pescoço enquanto se defendia sendo cercado por inimigos.
  O carro quase voava pelas estradas de Black e no seu trajeto apenas conseguia ver vermelho. Tudo era vermelho. O vermelho de Damon, o vermelho das pessoas que a seguiam, o vermelho de Izaac e Satan que em algum momento haviam perecido e o vermelho iminente de Mike.
  - Estamos a chegar. - A voz calma do chefe de Brown chama-a de volta à realidade.
  - Ainda podes mudar de ideias Mike.
  O espanto no olhar dele variava entre o facto dela ter falado e o de ser uma voza feminina.
  - Não vou mudar. Só há algo que queria pedir. Como despedida.
  - O quê?
  - Posso ver a sua cara? Vou morrer de qualquer forma mas gostava de que a minha última visão fosse a cara da pessoa por quem estou a dar a minha vida.
  Com pesar Sam desliza aquele pedaço de plástico que simbolizava o seu posto até descobrir por completo a sua face.
  - Ahahaha, não precisa fazer esse tipo de expressão. Precisa de sorrir Supremo, ainda é tão jovem. Obrigado.
  Um sorriso carinhoso desenha-se nos lábios de Mike que empurra Sam para fora com o carro em movimento seguindo-se uma explosão que marcou Zona Obscura para sempre. O fim do chefe Supremo.
 E rodeada de todo aquele vermelho, como se estivesse a presenciar a entrada para o Inferno, uma lágrima de sangue escorre pela sua face.

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