58 – Soldados De
Ferro
12 anos atrás
Os gritos eram
abafados pelas paredes duplas que escondiam o que se passava na cave. Homens em
fatos de segurança brancos passavam em fila por chuveiros descontaminadores deixando
para trás o que parecia ser um inferno de dor.
As gotículas de
suor escorriam pela sua face, os dentes serrados tentavam evitar que sucumbisse
ao sofrimento como os outros. Mais do que a dor eram os gritos que a faziam
quase fraquejar. Ver como os outros mal resistiam chegando mesmo a implorar
para que os matassem era o que afetava o seu psicológico.
Ao seu lado outro
rapaz contorcia-se na plataforma. As lágrimas lavavam-lhe o rosto mas mesmo
assim recusava-se a gritar. Devia ser da sua idade mas não pertencia ao seu pelotão.
Desta vez foi um
berro que abafou as vozes dos outros. Mas aquele não era um berro de dor, era
de revolta. Um sinal de que apesar de tudo não se deixava desesperar pelo
destino cruel.
Na outra sala ao
lado a visão parecia ainda mais dolorosa. Crianças órfãs trazidas pelo simples propósito
de servir de cobaias sem qualquer dignidade. Tudo pelo bem do país.
Os homens de branco
regressam apenas para injetar mais uma dose e tomar notas.
- Doutor, aquele
ali parece estar no limite.
Os espasmos no
corpo do rapaz ao seu lado continuavam a piorar. A partir de algum momento as lágrimas
haviam parado de cair e os olhos raiados de vermelho perdiam-se na escuridão tornando-se
opacos.
- Injeta-lhe a
adrenalina e dobra a dose. Não se atrevam a deixá-lo morrer antes de
terminarmos todos os testes.
Podia sentir o
amargo na boca, o gosto do ódio que sentia por tudo aquilo. O desejo de
destruir o que sabia ser o sonho do seu pai que a metera ali para ser o soldado
mais forte. Dava tudo para poder poupar aqueles miúdos a tal sofrimento.
As veias sobressaíam
na pele numa tonalidade roxa. Já tinha assistido a situações assim outras vezes
e sabia como ia terminar, um corpo inerte e frio banhado em sangue.
Não tardou para que
os gritos estridentes se começassem a ouvir. Era como se o esventrassem vivo. Todas
as suas células clamavam por misericórdia, só queria que a dor parasse e não voltasse
mais. Quando a agulha fura a pele os tremores aumentam e as lágrimas voltam a
cair mas desta vez num tom encarnado. Chegava a hora.
Como era habito
todos os outros se esforçavam para controlar a própria dor em respeito ao
companheiro. Uma sala preenchida apenas com o sofrimento de quem estava para
partir.
A única coisa que a
impedia de rebentar as correias e esmagar a cabeça daqueles cientistas era o
olhar penetrante do rapaz amarrado à sua frente.
Os gritos pararam. Faltou-lhe
a coragem para olhar para o lado por isso permaneceu a encarar os olhos do que
achava ser mais um demónio do que um humano.
- Incompetentes! Eu
não disse para terminarem os testes antes dele morrer?! Dá cá isso!
O médico rouba a
seringa das mãos do ajudante e vira-se para as outras cobaias que se encolhem
esperando o pior. Aproximando-se da mais fraca ele prepara-se para continuar o
seu experimento. Se ele injetasse aquela dose dupla muito possivelmente a
rapariga morreria.
Já no seu limite de
assistir àquele tipo de crueldade, Sam arrebenta a correia do braço direito
como se não passasse de uma fita de palha e agarra o homem pelo pescoço.
- C-Coronel…
- Espetas essa
agulha nela e esmago-te a traqueia. Estamos entendidos?
A cabeça do médico
acena que sim em súplica. O
braço volta ao lugar deixando a marca arroxeada dos dedos na pele.
- J-Já chega para
hoje. – A voz rouca acompanhada de tosse perde a autoridade de antes. – Estão dispensados.
Os outros médicos
desamarram e levam-nos para fora.
A seringa esquecida
ainda não fora descartada e não foi preciso grande esforço para entender o que
se passava quando viu que era a única que não estava a ser solta.
Com a sala vazia o
médico aproxima-se dela:
- Desculpe Coronel
mas não podemos desperdiçar o produto.
Um sorriso
desafiador é tudo o que mostra antes da agulha se enterrar na sua carne.
***
- Estás com uma
cara horrível. – Afirma Sakai Ryu encostado à porta da cave que dava para o laboratório
anterior. – Sabes que foi em vão não sabes? Mais cedo ou mais tarde aquela miúda
vai morrer.
- Vieste aqui só
para me chatear? É que não estou com disposição para as tuas merdas.
- Mataste-o?
- Não. Mas não foi
por falta de vontade.
- Eu pensei que fosses arrancar-lhe a cabeça.
- O dia dele vai chegar,
não te preocupes.
- É verdade, já viste o novo prodígio do outro
laboratório?
- Prodígio?
- Dizem que o puto tem 84% de compatibilidade com
o antídoto. Acho que é o único em nível quase tão alto quanto o teu com a droga,
senhora 91%.
Um soldado interrompe a conversa. Após a continência
o homem avisa que a Coronel tem visitas. A desconfiança dá lugar à curiosidade
pelo assunto de antes. As únicas visitas que recebia eram do pai e esse desaparecera
à dois anos. Desde aí só recebia cartas do irmão mais velho de vez em quando.
Mesmo insistindo que
não precisava de guarda-costas Sakai resolveu acompanhá-la.
Um homem num fato negro esperava-a à porta do recinto:
- Sam?
- A própria. O que deseja e como me encontrou?
- O meu nome é Damon.
Eu sou o…secretário do seu irmão.
- Do meu irmão? Aconteceu
alguma coisa?
- Lamento informar
mas o seu irmão está morto.
O silêncio instala-se.
Não tinha muitas memórias do irmão mais velho mas aquele desfecho não a surpreendia.
- Já ouviu falar de
Zona Obscura?
- A cidade da máfia? O que é que isso tem a ver
com a morte do meu irmão?
- O seu irmão era o
chefe da cidade. Ele foi morto enquanto lutava contra uma invasão. Antes que diga
que não tem nada a ver com isso, ele nomeou-a como o próximo Chefe Supremo.
- Recuso. Não entendo o que está a dizer e nem
pretendo sair daqui.
- Já esperava
por essa resposta. Enquanto não se decidir a sua cunhada irá assumir o posto. Só
quero que perceba que não pode fugir deste destino. Zona Obscura é sua e eu
voltarei para a vir buscar.
0 Comentários de "Zona Obscura - Quinquagésimo oitavo"
Obrigado por comentarem. O Jornal Anime agradece. Estão no meu kokoro o.<